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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

SISTELO. ENTRE O VALE E A MONTANHA

Artigo Publicado no Nº18 da Revista Aldraba
Dezembro de 2015

ALDRABA - Associação do Espaço e Património Popular


Texto e Fotografia: Fernando Cerqueira Barros [1]


No extremo Norte do concelho de Arcos de Valdevez (distrito de Viana do Castelo), encaixado entre as margens de um rio Vez ainda em início de vida (mas ao qual recentemente quiseram tirar a vida), [2] e as encostas abruptas da vertente Noroeste da Serra da Peneda, localiza-se a freguesia de Sistelo.


1 - Sistelo, Arcos de Valdevez

Terra de uma beleza ímpar, marcada pelos fortes contrastes entre a paisagem fortemente humanizada do vale do Vez, e uma paisagem mais aberta e de largos horizontes dos altos aplanados da Serra da Peneda (mas não por isso menos humanizados), a freguesia é composta pelos lugares de Sistelo (Igreja), Padrão, Porta Cova, Estrica, Quebrada e Portela de Alvite (este na fronteira com o concelho de Monção).


2 - Sistelo, contraste na paisagem entre o retalhamento por socalcos no Vale do Vez e a paisagem de montanha na "branda" do Alhal

Póvoa medieval, fundada por Roy Pelais de Val de Vez, desde os primórdios teve uma forte ligação com a vizinha Paróquia de Cabreiro, à qual pertenceu. No séc. XIII a importância estratégica desta vertente da serra (nomeadamente na interligação e proximidade que tinha à via de penetração que desde as terras altas de Castro Laboreiro, unia a fronteira com a Galiza até às Terras do Vale do Vez), levou o monarca D. Afonso III, em 1271, a dar Carta de Foro a seis casais de Sistelo, para povoarem e trabalharam o então "monte ermo" de Padrão (Padron), [3] com limites e designações que, passados mais de sete séculos ainda permanecem na memória e toponímia destes lugares.

É portanto uma terra marcada pela geografia e pela história, dos homens que a pulso construíram o seu território, e sabiamente o estruturaram e organizaram. As fortes diferenças de declive originaram microclimas distintos dentro da própria freguesia, os quais estão diretamente associados, quer às diferenças de altitude, quer às disponibilidades hídricas e de insolação, que distinguem claramente as áreas profundas e encaixadas do Vale do Vez e corgas [4] adjacentes, das áreas de montanha e alta montanha, que se aproximam do topo aplanado da Serra da Peneda.

A criação de gado bovino da raça Cachena foi, desde longa data, um dos pilares mais importantes da economia familiar de todas as comunidades serranas da Peneda (tal como o atesta, por exemplo, o testamento de Mumadona do séc. X - "vacas quantas temos na Várzea e no Soajo e quantas possuímos nas encomunhões com os nossos colonos" [5] ), o que, associado com a exiguidade dos espaços férteis de vale, e a forte disponibilidade de pastos de alta montanha, passíveis de exploração (sobretudo na época estival), foram pontuando a serra de currais e "brandas",[6] lançando bases para a estruturação de um uso transumante e sazonal do espaço, entre as áreas baixas de vale utilizadas durante todo o ano (e onde se implantam as aldeias), e as áreas de alta montanha (impraticáveis no inverno devido ao gelo e às neves), para onde sobem os gados entre Março/Abril, e onde permanecem até Setembro/Outubro (onde se implantam as "brandas"), locais já edificados, em alguns dos casos, no período medieval - séc.XIII - como o atesta a referência ao "Curial de Lamelas" ("Branda" de Lamelas, em Cabreiro).


3 - Sistelo: Gado Bovino e construções pastoris na "branda" da Gêmea

Outro dos pontos fundamentais para a estruturação deste território foi a introdução, a partir do séc. XVI, da cultura do milho Maiz. As necessidades de regadio obrigaram ao retalhamento das pendentes das zonas de vale em monumentais socalcos, criando dessa forma patamares horizontais que sustêm a água e permitem a rega, esta proveniente de diversas levadas, algumas das quais utilizando água do rio, corgas, e outras provenientes de nascentes e poços. Foi precisamente a cultura do milho, e a construção dos socalcos que deixou uma das marcas mais fortes na paisagem de Sistelo, sobretudo no seu trecho entre Sistelo e Porta Cova. A estes associam-se os espigueiros (ou canastros), destinados à guarda e secagem do milho, edificados com a estrutura principal em granito e as paredes laterais em madeira, elevados de forma a evitarem a humidade do solo, e protegidos da subida dos roedores, por mós, ou mesas, salientes. No seio das densas aldeias, que caracterizam o povoamento concentrado de montanha, os espigueiros agrupam-se, implantando-se nas áreas de melhor exposição ao sol e aos ventos, garantindo uma melhor conservação do cereal.


4 - Socalcos no Vale do Vez, entre Padrão e Porta Cova e Espigueiros em Padrão

Esta dualidade vale/montanha foi sendo explorada e incrementada, a partir da revolução do "maiz", tendo determinados factores contribuído para uma busca cada vez mais intensa das áreas de alta montanha, que passaram a ser exploradas já não só em busca do pasto estival para os bovinos, mas também, a partir de determinada altura, para um uso agrícola, tendo as "brandas", inicialmente apenas pastoris, passado a locais também de cultivo, inicialmente através da realização de cachadas [7] para centeio, e posteriormente, provavelmente já no séc. XIX, por outra cultura vinda das Américas - a batata.


5 - Zona de cultivo e pasto nas "brandas" do Furado e do Alhal

O conjunto de lugares Sistelo, Padrão e Porta Cova, pertencem, desta forma, ao conjunto de aldeias da Serra da Peneda, que estruturam o seu território através da prática da transumância vertical, entre as áreas de vale utilizadas todo o ano, e as áreas de alta montanha, de uso estival, onde implantam as "brandas". Devido à clara dicotomia de uso e função que separam estes espaços, as técnicas construtivas que caracterizam a arquitectura tradicional desta freguesia são, elas também, distintas.

Assim, com o granito como material primordial para todas as construções, nas aldeias destacamos as habitações, edifícios robustos, com poucas aberturas, defendendo-se das agruras do clima, em alguns casos encerradas em torno de pátios privados, aos quais se associam palheiros, construídos com recurso à madeira. A estas somam-se os espigueiros, em núcleos, como os de Sistelo (recentemente recuperados), os de Padrão (em dois núcleos no extremo Norte e Poente da aldeia), ou os de Porta Cova, que montanha acima nos recebem após passarmos o regato. A arquitectura religiosa, embora presente, não tem marca de monumentalidade (reservada na serra ao Santuário da Senhora da Peneda e quartéis de peregrinos, ou outros locais de culto e romagem, como S. Bento do Cando), sendo, ainda assim, de referir a presença de várias pequenas capelas, a Igreja em Sistelo, e diversos nichos e alminhas, símbolos da arte e da religiosidade popular. A estes associam-se, junto aos rios, os moinhos (a sua maioria de rodízio, alguns com cobertura em granito) e as ruínas do velho fulão [8] (junto ao rio Vez em Padrão, no caminho que leva até Paçô do Monte - Merufe), e interessantes pontes, e pontelhas, que permitiram a passagem dos cursos de água, e as importantes ligações territoriais.



6 - Habitações no lugar de Padrão, e núcleo de construções na "branda" da Gêmea

Na zona de alta montanha a paisagem é claramente distinta, maioritariamente pedregosa, onde pontuam, nas pequenas chãs mais férteis, os terrenos cultivados das "brandas" e as suas peculiares construções. Ali podemos encontrar sinais do que foi a cultura primitiva da montanha, que persistiu até há poucas décadas, onde os pastores e gado pernoitavam nas noites de Verão, em pequenas casas e cortelhos, [9] a sua maioria construídas totalmente em granito, com cobertura edificada com recurso ao sistema de falsa cúpula de granito. Em alguns casos, de dois pisos, observa-se, ainda, a existência da laje de lareira, onde os brandeiros acendiam o fogo e cozinhavam.


Sugestões de percurso de visita:

Sistelo localiza-se cerca de 30 minutos a Norte de Arcos de Valdevez, estando numa posição geográfica a meio caminho entre a Vila sede de Concelho, e a vizinha vila de Monção (mais a Norte). Outras distâncias de referência: 1h a Braga ou Vigo e 1h30m ao Porto.


7 - "Castelo" de Sistelo, Ponte no Rio Vez (em Padrão) e vista do lugar de Padrão

1 - Uma visita a Sistelo poderá começar pelo seu núcleo central (Sistelo - Igreja), onde se implanta uma das mais marcantes construções da freguesia - o chamado "Castelo de Sistelo" - habitação romântica oitocentista, construída por um filho da terra emigrado no Brasil, e que regressado implementou um conjunto de obras e melhorias na aldeia. Ainda na aldeia podem observar-se dois núcleos de espigueiros, a Igreja Paroquial e diversas habitações tradicionais (algumas recuperadas e em funcionamento como Turismo Rural). Uma descida até ao rio, através de centenários degraus, permitirá a visita a velhos moinhos e um primeiro contacto com a zona dos socalcos.

2 - Para reconhecer a área monumental dos socalcos de Sistelo é imprescindível subir até às aldeias de Padrão e Porta Cova, entre as quais a paisagem assume características verdadeiramente deslumbrantes. Quem observe, de topo, o lugar de Padrão, pode aperceber-se da sua implantação, numa pequena área aplanada, dominando sobre as áreas de cultivo. Em cada uma das aldeias ainda é possível observar traços da arquitectura rural tradicional. Padrão tem dois núcleos de espigueiros bastante interessantes, e é precisamente desde esses núcleos que conseguimos obter as mais impressionantes vistas sobre os socalcos.

3 - É possível subir até à "Branda" do Alhal de automóvel, apercebendo-se, durante a subida, da forte transição entre as áreas de vale e montanha. Na "Branda" do Alhal tomará um primeiro contacto com a realidade das "brandas", existindo ainda em bom estado de conservação diversas construções em Falsa Cúpula de Granito e pequenas casas, de dois pisos.

4 - De forma a percecionarmos a realidade territorial de cada uma destas aldeias, e as distâncias e percursos entre aldeia / "branda" (a dicotomia Inverno / Verão da vida serrana de Sistelo), bem como as diferenças marcantes na paisagem e no clima, sugere-se que se percorra uma destas unidades a pé, desde a parte baixa de vale encaixado, até à parte de alta montanha:
               a) Em Padrão, é possível iniciar um percurso junto à aldeia, descer por entre socalcos até à parte baixa junto ao rio Vez, onde se implantam os moinhos junto à velha ponte. Posteriormente subir até à "branda" do Alhal e depois, num percurso que nos leva até próximo dos 1000m de altitude, à "branda" da Gêmea, na qual subsistem os mais peculiares conjuntos de falsas cúpulas de granito.
               b) Um percurso de compreensão do mesmo género, mas correspondente à realidade territorial de Porta Cova, é possível fazer a partir deste lugar, subindo a velha calçada que nos levará a percorrer a serra, com o Vez ao nosso lado, passando pelas "brandas" de Crastibô, Lapinheira e subindo até à do Furado (esta também próxima dos 1000m, e já na confluência dos concelhos de Arcos de Valdevez, Monção e Melgaço).


8 - Conjunto de espigueiros em Porta Cova, e construções na "branda" da Gêmea




[1] Arcos de Valdevez, 1986. É Arquitecto pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde concluiu em 2011 o Mestrado em Arquitectura com a Dissertação «Construção do Território e Arquitectura na Serra da Peneda. Padrão (Sistelo) e as suas "brandas" - um caso de estudo» (orientado pelo Arq. Rui Pinto), a qual obteve Menção Honrosa no I Prémio Ibérico de Investigação em Arquitectura Tradicional. Em 2013 concluiu o Curso de Estudos Avançados em Património Arquitectónico, tendo ingressado no mesmo ano no Programa de Doutoramento em Arquitectura da FAUP, onde atualmente desenvolve, sob orientação do Prof. Doutor Pedro Alarcão e do Prof. Doutor João Garcia, a tese «Património Arquitectónico e Organização do Território Transfronteiriço, nas montanhas Galaico-Minhotas».
[2] Projecto de Aproveitamento Hidroeléctrico de Sistelo, que pretendia construir uma mini-hídrica no troço inicial do Rio Vez, entretanto chumbado pelo parecer negativo das entidades competentes.
[3] "Carta de Foro de Monte Leboreiro quod vocatur Padron", 15 de Janeiro de 1271
[4] Corga - pequeno ribeiro, ou regato.
[5] Testamento de Mumadona in Terra de Valdevez e Montaria do Soajo, Eugénio de Castro Caldas, p.63 
[6] "Branda" (ou veranda) - espaço de alta montanha, associado à transumância, utilizado durante os meses de verão; local onde pastam os gados entre os meses de Março/Abril até Setembro/Outubro. É composta por espaços de pasto, em alguns casos de cultivo, e diversas construções, onde pernoitam os pastores e animais. Na serra da Peneda cada aldeia possui duas, ou mais, "brandas" no alto da serra, que podem ser de um dos seguintes tipos: a) "brandas" de gado - exclusivamente pastoris; b) "brandas" de cultivo - de uso pastoril e agrícola, onde cultivam centeio e batata; c) "brandas" de maior permanência - na freguesia da Gavieira o núcleo doméstico desloca-se, nos meses de verão, para a "branda", descendo nos de inverno para a aldeia. Terminologia e sistema semelhante ao galego e asturiano "braña".
[7] Cachadas - ou cavadas - preparação do terreno, na serra, para o cultivo; no séc. XVIII o pároco de Carralcova (Arcos de Valdevez), descreve desta forma o uso pastoril e agrícola das "brandas" - "...e no tempo dos mezes de Verão como hé Junho, Julho e Agosto vão os moradores da dita freguezia apascenntar à dita serra o gado vacum e a maior parte do anno o gado meudo (…) em algumas partes os pobres moradores fazem cachadas para o centeio" (Memórias Paroquiais de 1758)
[8] Fulão (ou pisão) - tecnologia tradicional, movido a água, destinado a pisar panos de lã e serguilha.
[9] Cortelhos - construção rudimentar, feita em granito, onde se abrigam os brandeiros e gados. Em algumas "brandas" distinguem-se os "cortelhos" (mais pequenos e destinados aos animais), das "cabanas" (feitas com a mesma tecnologia, mas de maiores dimensões e destinadas aos pastores). Os cortelhos de grandes dimensões, destinados a moradia dos brandeiros, também se designam, em alguns locais, de "cardenhos".

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

PROJECTOS | QUARTEIRÃO RUA DE S. JOÃO/RUA DOS MERCADORES - CENTRO HISTÓRICO DO PORTO


Projecto de Reabilitação do Património Edificado

Quarteirão: Rua de S. João / Rua dos Mercadores - Centro Histórico do Porto.

Projecto: Fernando Cerqueira Barros

Ano: 2013

(realizado no Curso de Estudos Avançados em Património Arquitectónico, FAUP, 2012/2013)











CONFERÊNCIAS, EXPOSIÇÕES E ARTIGOS RECENTES:

CONFERÊNCIAS / COMUNICAÇÕES:

 2014 | "Arquitecturas Tradicinais na Serra da Peneda"
                  - conferência integrada no V Ciclo de Estudos "A Serra e o Homem: Natureza, Cultura e Arte", do Centro de Estudos Regionais. Sala Couto Viana, Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, 23 de Janeiro
               - conferência na Universidade do Saber (Arcos de Valdevez), Centro Comunitário de S. José, Santa Casa da Misericórdia, Arcos de Valdevez, 8 de Maio

2014 | "A Construção do Território na Serra da Peneda", comunicação ao Workshop Internacional "A Fronteira Luso-Espanhola. Geografias do Passado e do Presente", integrado no XIV Colóquio Ibérico de Geografia. Biblioteca Pública de Braga, 11 de Novembro.  


EXPOSIÇÕES:


2015 | Projecto de Intervenção no Complexo Edificado das Carvalheiras, Bragain Exposição "Intervenção arquitectónica em contexto arqueológico. Propostas e desafios para a cidade de Braga". Pedro Alarcão (coord.). Org: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho.
                     - 8 a 25 de Janeiro, Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, Braga.
                    - 4 a 20 de Fevereiro, Galeria de Exposições da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto


ARTIGOS PUBLICADOS  (/NO PRELO):

2014 | "Uma cobertura abstracta, com referentes (geo)métricos clássicos", in ALARCÃO, Pedro (coord), "Intervenção arquitectónica em contexto arqueológico. Propostas e desafios para a cidade de Braga", Exposição/Catálogo, Edição FAUP publicações, Porto, Dezembro de 2014. (D.L. 385516/14 ; ISBN: 978-989-8527-05-9), pp.50-53


no prelo (2015) | "mosteiro de refóios do lima _ escola superior agrária. ponte do lima _  1986 – 93" in (MENDES, coord) "Nós", Fascículo 5 de Fernando Távora, 'minha casa'. Fundação Instituto Marques da Silva. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto

no prelo (2015) | Contributos para o estudo do uso da Cal, como material de revestimento de edfícios na região do Vale do Lima", in Revista Estudos Regionais, n.º 9 (2ª série), Centro de Estudos Regionais, Viana do Castelo (ISSN 0871-3332)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

"Uma cobertura abstracta, com referentes (geo) métricos clássicos". Proposta de Intervenção no Complexo Edificado das Carvalheiras. Braga





Uma cobertura abstracta, com referentes (geo)métricos clássicos

Projecto: Fernando Cerqueira Barros
CEAPA-FAUP 2012/2013




Intervir num espaço implica, sempre, uma acção de transformação: alterar a sua configuração de forma a adaptá-lo às necessidades do tempo presente.


A intervenção proposta para o Complexo Arqueológico das Carvalheiras parte do pressuposto da necessidade de transformação de um complexo arqueológico, cujas escavações se iniciaram há mais de três décadas; de um espaço situado no interior de um quarteirão que se deve abrir à cidade e, acima de tudo, da conservação de um espaço actualmente em perigo.

Chegados às Carvalheiras salientamos com surpresa que por detrás de prédios da segunda metade do séc.XX permanecem em terreno livre as ruínas de uma antiga habitação bracaraugustana, as quais percorremos livremente, com um espírito constante de descoberta. Trata-se, afinal, de um dos mais importantes vestígios para o conhecimento da história urbana de Bracara Augusta, na medida em que é o único quarteirão completamente escavado, o qual permitiu, através do seu módulo-base, o reconhecimento da métrica de toda a cidade.

Sendo por este facto, inegável a sua importância patrimonial, deverá o espaço assumir uma nova função cultural, cumprindo uma nova etapa nos seus dois milénios de existência. Para tal será necessário cumprir três objectivos fundamentais, aos quais o projecto procura dar resposta: intervir fisicamente na ruína (de forma a consolidá-la e a torná-la o mais legível possível), construir uma cobertura (protegedo-a desse modo da intempérie) e delimitar o espaço do complexo arqueológico, preparando um circuito de visita. 






Desta forma, a cobertura assumir-se-á como uma marca de visibilidade da intervenção sendo, ao mesmo tempo, o ponto mais crítico de todo o processo de desenho da proposta. Em primeiro lugar entendemos que uma intervenção deste género, em local de importância histórica e patrimonial, deve saber limitar-se ao essencial, ambicionando-se a obra anónima, que não interfira na leitura do espaço. Procuramos, assim, desenhar uma cobertura funcional, que suprisse as necessidades de protecção da ruína, e que, do ponto de vista da sua linguagem e volumetria, fosse o mais anónima possível. Pretendemos que o visitante, ao percorrer o espaço, sinta que está a visitar uma ruína com dois milénios de história, e não se sinta a visitar a intervenção contemporânea que essa mesma ruína sofreu. 


A intervenção é uma necessidade, mas não deve, nunca, querer o protagonismo, pois o protagonismo deverá, sempre, ser o do próprio vestígio arqueológico. 




No que diz respeito à intervenção de recuperação da ruína, de forma a torná-la mais compreensível, propomos, assim, a consolidação e estabilização das suas paredes, que deverão ser complementadas por alguns tramos (em material claramente distinto). Ao mesmo tempo entendemos que a intervenção deverá, ao nível da pigmentação dos pavimentos, dar indicações sobre os percursos, áreas funcionais e fases de construção e crescimento histórico do complexo das Carvalheiras. Assim, distinguimos nos pavimentos as áreas correspondentes às antigas ruas da cidade romana, os espaços exteriores cobertos do pórtico, o circuito interior da Domus e, por fim, o espaço termal a noroeste, datado do séc. II.




Será intenção do projecto salientar a importância do perímetro do quarteirão, que se encontra completamente escavado, marcando assim as ruas que o delimitam. É esta mesma métrica que se assume como base para o desenho da cobertura, sobrepondo-se exactamente à mesma área, e invocando, apesar da sua vontade de abstracção, a métrica da cidade romana. É este o primeiro referente clássico que tomamos para o desenho da cobertura, inspirando-nos, ainda, nas métricas, geometrias e materiais de um clássico moderno: L. Mies van der Rohe (Crown Hall, Chicago).






No que diz respeito ao percurso de visita, ele inicia-se a nascente, junto à actual Rua do Elevador, sendo a transição de cota e de ordem geométrica feita no edifício a construir, que servirá de recepção ao complexo arqueológico. Encontramo-nos depois na cota e alinhamento da ordem romana da cidade antiga, prontos para irmos à descoberta do passado, de forma livre e curiosa, na medida em que não é proposta a criação de qualquer passerelle ou percurso obrigatório. Os pavimentos serão tratados de forma a poder-se percorrer os locais originais, na cota mais aproximada do original, e com a liberdade de movimentos que qualquer cidadão bracaraugustano teria...