Uma cobertura abstracta, com referentes (geo)métricos clássicos
Projecto: Fernando Cerqueira Barros
CEAPA-FAUP 2012/2013
Intervir num espaço implica, sempre, uma acção de transformação: alterar a sua configuração de forma a adaptá-lo às necessidades do tempo presente.
A intervenção proposta para o Complexo Arqueológico das Carvalheiras parte do pressuposto da necessidade de transformação de um complexo arqueológico, cujas escavações se iniciaram há mais de três décadas; de um espaço situado no interior de um quarteirão que se deve abrir à cidade e, acima de tudo, da conservação de um espaço actualmente em perigo.
Chegados às Carvalheiras salientamos com surpresa que por detrás de prédios da segunda metade do séc.XX permanecem em terreno livre as ruínas de uma antiga habitação bracaraugustana, as quais percorremos livremente, com um espírito constante de descoberta. Trata-se, afinal, de um dos mais importantes vestígios para o conhecimento da história urbana de Bracara Augusta, na medida em que é o único quarteirão completamente escavado, o qual permitiu, através do seu módulo-base, o reconhecimento da métrica de toda a cidade.
Sendo por este facto, inegável a sua importância patrimonial, deverá o espaço assumir uma nova função cultural, cumprindo uma nova etapa nos seus dois milénios de existência. Para tal será necessário cumprir três objectivos fundamentais, aos quais o projecto procura dar resposta: intervir fisicamente na ruína (de forma a consolidá-la e a torná-la o mais legível possível), construir uma cobertura (protegedo-a desse modo da intempérie) e delimitar o espaço do complexo arqueológico, preparando um circuito de visita.
Desta forma, a cobertura assumir-se-á como uma marca de visibilidade da intervenção sendo, ao mesmo tempo, o ponto mais crítico de todo o processo de desenho da proposta. Em primeiro lugar entendemos que uma intervenção deste género, em local de importância histórica e patrimonial, deve saber limitar-se ao essencial, ambicionando-se a obra anónima, que não interfira na leitura do espaço. Procuramos, assim, desenhar uma cobertura funcional, que suprisse as necessidades de protecção da ruína, e que, do ponto de vista da sua linguagem e volumetria, fosse o mais anónima possível. Pretendemos que o visitante, ao percorrer o espaço, sinta que está a visitar uma ruína com dois milénios de história, e não se sinta a visitar a intervenção contemporânea que essa mesma ruína sofreu.
A intervenção é uma necessidade, mas não deve, nunca, querer o protagonismo, pois o protagonismo deverá, sempre, ser o do próprio vestígio arqueológico.
No que diz respeito à intervenção de recuperação da ruína, de forma a torná-la mais compreensível, propomos, assim, a consolidação e estabilização das suas paredes, que deverão ser complementadas por alguns tramos (em material claramente distinto). Ao mesmo tempo entendemos que a intervenção deverá, ao nível da pigmentação dos pavimentos, dar indicações sobre os percursos, áreas funcionais e fases de construção e crescimento histórico do complexo das Carvalheiras. Assim, distinguimos nos pavimentos as áreas correspondentes às antigas ruas da cidade romana, os espaços exteriores cobertos do pórtico, o circuito interior da Domus e, por fim, o espaço termal a noroeste, datado do séc. II.
Será intenção do projecto salientar a importância do perímetro do quarteirão, que se encontra completamente escavado, marcando assim as ruas que o delimitam. É esta mesma métrica que se assume como base para o desenho da cobertura, sobrepondo-se exactamente à mesma área, e invocando, apesar da sua vontade de abstracção, a métrica da cidade romana. É este o primeiro referente clássico que tomamos para o desenho da cobertura, inspirando-nos, ainda, nas métricas, geometrias e materiais de um clássico moderno: L. Mies van der Rohe (Crown Hall, Chicago).
No que diz respeito ao percurso de visita, ele inicia-se a nascente, junto à actual Rua do Elevador, sendo a transição de cota e de ordem geométrica feita no edifício a construir, que servirá de recepção ao complexo arqueológico. Encontramo-nos depois na cota e alinhamento da ordem romana da cidade antiga, prontos para irmos à descoberta do passado, de forma livre e curiosa, na medida em que não é proposta a criação de qualquer passerelle ou percurso obrigatório. Os pavimentos serão tratados de forma a poder-se percorrer os locais originais, na cota mais aproximada do original, e com a liberdade de movimentos que qualquer cidadão bracaraugustano teria...